Mário não fazia esforço: era diferente por natureza. Por mais que o mundo à sua volta estivesse dominado pelos padrões, sua natureza era como a da língua portuguesa; um oceano de exceções engolindo as ilhas da regra.
Ao contrário dos seus amigos da escola, Mário só usava cueca samba-canção. Desde pequeno fora obrigado a usar cuecas normais que apertavam-lhe as partes. Quando fez 14 anos, decidiu nunca mais usar cuequinha. Pediu à sua mãe que em vez de um jogo de videogame, queria dez cuecas samba-canção de aniversário. De algodão, fazendo favor. Quanto aos riscos de criar seu bicho solto, desde sempre não ligara pra eles. Joana, uma ficante do colégio, havia lhe garantido, no escuro do Cinema Leblon, que as mulheres adoram sentir as metamorfoses da natureza durante um amasso bem dado. Melhor assim. Além de mais confortáveis, suas novas cuecas ainda sabiam reconhecer um bom perfume de mulher.
Nascera no meio dos anos 80, época em que as pessoas ainda atendiam telefonemas que não eram pra si. Quando era pequeno, gostava de fechar os olhos e punha-se a inventar um rosto qualquer. Excitava-o pensar que aquele rosto randômico poderia existir em qualquer lugar do mundo. Ou já teria nascido e morrido. Certamente estaria pra nascer. Talvez Deus tivesse que lhe pagar royalties por isso… Coisas de criança.
Seu fraco eram os livros. Melhor dizendo, seu forte. Como uma adolescente que não consegue entrar numa loja de roupas sem levar pelo menos um prendedor de cabelo, Mário só saía de uma livraria com um livro na mão. Nem que fosse um de bolso. Aquele universo de idéias, cores e cheiros atraía-o como um jardim atrai os beija-flores. Adorava ir de supetão tirando os livros da estante, buscando um encontro fortuito que já estaria escrito nas estrelas há séculos. Por isso, os best-sellers não eram os seus preferidos – odiava os livros que estavam à mão. Tal qual as moças viciadas em comprar roupas que nunca usam, sua estante contava com alguns volumes comprados mas nunca lidos.
Mário tinha outra mania: abrir um livro qualquer na página final e ler a sua última palavra. As vezes escolhia o livro que ia comprar pela força do seu último suspiro. Na verdade, comprado o livro, raramente o lia seguindo a ordem natural. Gostava de ler por capítulos aleatórias. Por isso, os livros de contos eram seus preferidos. Também não gostava de filmes com mais de duas horas e sempre achava que as peças de teatro deviam ter metade da duração habitual. Por que se alongar demais nas suas próprias idéias?